Quando comprei minha passagem para a poltrona de número 1, fiquei hesitante de alegria. Eu, que dantes, era acostumada apenas com a vista lateral do ônibus, agora poderia apreciar a paisagem e ver a estrada com a visão do motorista.
Aliás, agora eu iria apreciar a paisagem pela primeira vez. A vista lateral nunca foi muito atrativa. Seus matagais correndo em frente aos olhos eram como um chá de erva-cidreira tomado às 21 h ou como uma tentativa de leitura após o almoço. Soníferos naturais.
Sequer esperava sair da cidade. Adormecia do início ao fim. De vez em quando me assustava com luzes em alguma parada, mas nada que afetasse tanto o meu sono que logo voltava à rotina.
Porém, não demorou muito para que eu sentisse saudade da minha janela. Descobri nessa experiência que dependendo do motorista, a vista da paisagem pode não ser tão boa.
E eu que, a esta altura, já estaria sonhando, estou aqui acompanhando uma tentativa de ultrapassagem em duas carretas ou às uma leve invasão da pista contrária.
A almofada feita pra ser usada no pescoço, viajou sendo apertada e esmagada entre os braços. A oração cujo amém era falado antes do motor ser ligado, se transformou em uma prece contínua ao longo do trecho. E o arrependimento de estar vendo a estrada só crescia.
Se fosse permitido, eu poderia ir conversar com o motorista pra ele pegar leve dessa vez, ou conversar apenas pra distrair e passar o tempo, já que nós dois devíamos ser os únicos acordados. Mas pensando bem, eu deveria ter mais companhia, afinal as poltronas 2, 3 e 4 compartilhavam da mesma vista.
Para minha solidão, elas são ocupadas por uma mãe, cujo filho pequeno e elétrico também está dormindo. (Para mães, o descanso enquanto o filho dorme é uma dádiva); um jovem daqueles que colocam o fone de ouvido e deixam que o mundo acabe; e uma mulher encolhida de frio ou de medo, em um olhar penetrante estrada adentro, talvez pensando o mesmo que eu ou só entregando a vida pra Deus como eu deveria estar fazendo.
Com mais de 80 km rodados e totalmente sem sono, aproveitei pra tomar uma decisão: Primeira fileira, nunca mais. Fica a reflexão: Existem coisas que é melhor não ver, como a estrada.
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