A maldição de Usher
Atiramos o passado ao abismo,
mas não nos inclinamos para ver se está bem morto.
.
Segundo LETHBRIDGE e MILDORF, na obra Basics of English Studies: An introductory course for students of literary studies in English, o ambiente pode ser usado para proporcionar uma base para as características do personagem, como o cenário da mansão e Roderick na obra de Poe.
William Shakespeare
O conto “A Queda da Casa de Usher”, do escritor Edgard Allan Poe chama a atenção e me deixa inquieta desde a primeira linha, quando o narrador, após receber uma carta, inicia sua fala descrevendo minuciosamente o caminho até a casa do amigo de infância, remetente da carta, e ao narrar, o espaço é descrito com um cenário monótono, sombrio e silencioso.
A riqueza de detalhes, desde o início, nos aproxima ainda mais da realidade daquele momento. E algo interessante é que nessa história sombria narrada em primeira pessoa, o narrador, cujo não tem o nome revelado, tem um papel muito importante, ele é um personagem, amigo do protagonista, e parece ser a figura de paz, que, de alguma forma, tenta tranquilizar aqueles dias escuros da vida do amigo.
Primeiro, o conto passa uma impressão de amargura e tristeza, um local mórbido, em seguida, suspense e terror. Assim no decorrer do texto, a história, além de nos inserir cada vez mais em seu mundo, nos deixa curiosos com algumas indagações, tais como, qual seria o mistério da mansão e de Usher? Por que a mansão é tão sombria? Seria algum tipo de herança maldita? Doença genética? Qual seria o segredo escondido?
![]() |
Cena do filme The Fall of the House of Usher (1960) |
Assisti a alguns filmes e conclui que este caso, sem dúvidas, é mais um daqueles em que o livro é melhor que os filmes lançados.
Henry James, em The Art of Fiction, faz comparações entre o romancista e um pintor e afirma que a inspiração, processo e sucesso são os mesmos, permitindo diferentes níveis de qualidades. Poe ‘pinta e borda’ e expressa seu talento pela escrita, fazendo o leitor entrar no clima, e seus inúmeros adjetivos só tornam a história ainda mais real e aterrorizante.
Alguns aspectos paisagísticos da casa eram suas paredes tristes, como a tristeza de Usher, suas janelas vazias, como os olhos de Usher, até as árvores eram decadentes com uma enorme depressão de alma, como a alma de Usher, a casa era como um espelho de Roderick. Tudo dava a impressão de estrago, desgaste, um tipo de luto antecipado, prevendo a morte.
Desde o título, podemos prever a destruição da casa junto com a decadência da linhagem daquela estranha família, que um dia fizera sublimes obras de arte, muita caridade, fora a tendência que tinha para a ciência musical. Por algum motivo, tudo foi como um sonho que está desaparecendo, assim como a queda das folhas de outono.
Segundo LETHBRIDGE e MILDORF, na obra Basics of English Studies: An introductory course for students of literary studies in English, o ambiente pode ser usado para proporcionar uma base para as características do personagem, como o cenário da mansão e Roderick na obra de Poe.
Assim também, a estação do outono seria uma metáfora ligada à realidade dos fatos. Outra metáfora seria a rachadura no meio da casa, assim como as duas janelas separadas pela rachadura, Os olhos são a janela da alma (Clarice Lispector), que alma? A casa era a alma! As paredes da casa eram sombrias, até o terreno em volta era pavoroso, em seu interior tinha tantos barulhos amedrontadores quanto em seu exterior, a herança da família era a casa, a propriedade parecia ter olhos (as janelas), parecia te observar, te enlouquecer, ao passar um tempo ali dentro, até o narrador sente um mal estar ainda maior do que sentiu quando a observava de longe, enquanto a rachadura afirmava que o fim estava próximo. Quem garante que ali não tenha um cemitério de pessoas que foram enterradas vivas como Madeline? A rachadura também pode simbolizar a divisão entre a propriedade e a família, os irmãos gêmeos, o consciente e o inconsciente, o passado e o presente, a vida e a morte.
Lady Madeline é uma curiosa figura que vive doente em seus aposentos, apesar de não ser detalhadamente descrita, parecia ser meiga e não ter importância, ela seria quase um fantasma, mas é a personagem principal do ápice do terror, no momento em que aparece quando seu irmão diz "Nós a enterramos viva! Eu não disse que os meus sentidos eram finos? Digo-te agora que ouvi os seus ligeiros movimentos no caixão, ouvi-os — há muitos, muitos dias — porém não me atrevia — não me atrevia a falar! [...] Louco! Digo-te que ela está agora ali, do outro lado da porta"!” Quando o narrador apavorado engoliu as palavras de Usher e já esquecera a história de Mad Trist de Sir Lancelot que contara ao amigo, "lá estava a majestosa figura amortalhada de Lady Madeline de Usher." (Poe, 1839, p. 24, tradução de Luís Varela). Meu coração bateu forte até segundos depois que Madeline, ou o zumbi de Madeline (eu não sei), matou o próprio irmão. Já sabemos que praticamente todas as histórias tem a morte de alguém, principalmente, as de terror! Mas essa foi realmente muito assustadora!
Não podemos descartar a hipótese de ter acontecido algo ou várias situações muito comprometedoras no passado que foram causando a loucura de Usher, Pois nada há de oculto que não venha a ser revelado, e nada em segredo que não seja trazido à luz do dia. (Marcos 4:22), segredo que fez com que o protagonista lutasse para apagar da memória, talvez, da pior forma possível, matando sua irmã gêmea, única família que restava para ele, por medo de que a verdade (que não sabemos qual é) viesse à tona e causasse consequências ainda piores.
Há também a possibilidade de incesto entre os irmãos, por isso, talvez, aquela indiferença, transtorno e irritação. [...] irmã ternamente amada, sua única companhia há longos anos, a única parente na terra [...] a última da antiga raça dos Ushers. (Poe, 1839, p.10, tradução nossa), a irmã era a única lembrança viva do passado de Usher.
Quem sabe, esse mistério já existe há gerações e não poderia ser resolvido, e continua oculto nas profundezas dos segredos da família junto de seus defuntos, como uma maldição impregnada nas paredes e cômodos da velha mansão, contagiando a todos que por ali passam e tentam ficar. O próprio narrador foge da casa com um passado que o assombrará pelo resto da vida.
Comentários
Postar um comentário