A estranha



Um sofá, uma mesa, um tapete e uma janela com persianas semifechadas, cujas frestas enxergavam o azul da piscina repleta de tocas e maiôs. Sentada ali naquela sala de paredes acinzentadas, a menina terminava mais um ciclo da vida, em frente a pessoa que abrira seu horizonte.

Foram poucos encontros e muitas palavras resultantes de experiências passadas. Conversas jogadas a uma estranha que atentamente olhava querendo observar a alma. Os traumas de infância, que nem sabia existir, foram descobertos ao contar uma situação qualquer e os medos a quem nunca falara, foram amenizados com perguntas cujas respostas já eram conhecidas.

A realidade sendo dita e a mente dimensionada em outro planeta, mais distante, mais brilhante, repleto de flores alaranjadas pelo chão. Enquanto isso, as mãos da menina brincavam fio a fio com o travesseiro felpudo propositalmente ali colocado. Talvez para distrair, ou para colorir os universos tão sombrios que ali se assentavam.

Jogava a mão nos cabelos e os prendia para que não atrapalhassem um minuto sequer o tão esperado retorno. Chorar, só precisou uma vez. Ineditamente chorou na frente de estranhos e foi a única. As demais sorriu e se expressou sem facetas marcantes por acreditar que o pior já teria passado.

Olhou pelas frestas pela última vez e ao sair dali teve a sensação que muito não havia sido dito. Quis voltar e contar mais fatos da vida, até os mais insignificantes, somente para posteriormente ouvi-los na visão da estranha.

Mas não voltou e não terá mais nenhum estranho com quem possa contar. Um estranho que era mais conhecido do que muitos amigos e te fazia mais bem, do que pudera imaginar. A menina saiu e hoje vagueia com suas sombras, nas sombras do meio-dia. Chorara, falara, entristecera, lembrara, fora quem sempre quis ou chegara quase lá.

Nunca estivera tão perto do ideal e agora vagueia, mas não como dantes. Anda sabendo ao menos o rumo para onde vai e porque chegara aqui.

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