Os sons (inaudíveis) da cidade

A neve segue rumo ao auge e as flores murcham neste inverno que tarda a chegar ao fim. E as pessoas em seus próprios mundos se esvaem nesse terreno sombrio e frio, fechando-se em camadas cada vez mais espessas, interagindo em uma rede que se entrelaça e embaça numa teia infinita, de seres que mal se conhecem e que se entregam a superficialidade do amor que por tão supérfluo em breve chega ao fim.

E nessa onda de tornar-se importante e conhecido na teia longínqua que nos liga a tudo e todos, os laços próximos se cortam e distanciam aqueles que nos acompanham a mais tempo. As flores nas calçadas não são mais vistas, assim como as novas construções que caminham a ritmo acelerado, a cara dos vizinhos aparece virtualmente viva e feliz, apesar dos portões físicos das casas sempre trancados a mil cadeados, protegidos por cachorros imponentes promovendo uma sensação de segurança, enquanto na teia longínqua e sem fim, tudo é descrito, sentido, mostrado, compartilhado.

E, nos poucos momentos que podem-se ouvir os sons da cidade, o barulho do trânsito, as vozes das poucas pessoas que ainda conversam face a face, elas retornam a um mundo ritmado com a trilha sonora que invade os ouvidos por meio de fones, e as fazem pensar nos amigos e problemas e sonhos, cada vez mais internos e ao mesmo tempo externos, visto que são expostos ao relento sem nenhum crivo.

Soltam-se os verbos ao defender as próprias ideias e calam-se em discussões cara a cara. Preferem-se virtualmente a pessoalmente com seus defeitos e possibilidades de serem confrontados consigo mesmos. Mas, a vida segue e tudo permanece igual. Algumas famílias tentam por manter a comunhão em um lado, alguns caminham, outros correm, mais adiante com passos apressados vão-se ouvindo a música favorita, ignorando a cidade ao redor.

E observando a tudo, agora sozinha, sorrio lembrando da conversa que havia acabado de ter com aquela estranha, que não gostava de caminhar sozinha e que havia deixado seu fone de ouvido dependurado de lado, para fazer uma nova amizade. Contando-me sua história, apenas por encontrar alguém que doou uns dos bens mais preciosos (e escassos) da vida: ouvido e tempo.



Nota da autora: Acredito que cada um tenha seu hobby e sua mania. A minha é caminhar, mais para minha sanidade mental do que física. Preciso andar, ouvir, ver, refletir e analisar minha vida enquanto vejo a cidade rodando e nessas andanças, conheço pessoas e passo por experiências incríveis, que me convencem que a felicidade não está em uma companhia. Ela é interna e depende apenas de nós. Àqueles que somente fazem algo, acompanhados, resta meus sinceros sentimentos. 

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