Andarilha


A chuva ameaçava desde as 20 horas, mas somente quando estávamos conversando e descansando na sacada de casa, ela definitivamente apareceu. Raios e trovões e grossos pingos d’água, que só molhavam vagamente nossos pés.  E meu pai agradecendo a Deus, por termos onde morar e por estarmos protegidos. De repente palmas no portão e uma mulher com uma vasilha vazia nas mãos pedindo por um pouco de comida. Os cabelos eram compridos e loiros queimados de sol presos em um rabo de cavalo baixo, a pele morena clara, corpo magro e roupas tão grandes que definitivamente não eram suas. A chuva engrossava enquanto ela aguardava pelo jantar. Ao pegar a comida, saiu cabisbaixa como chegou e ao invés de se esconder da chuva na praça, que ficava há 5 metros, ou em algum toldo, a mulher subiu a ladeira sendo lavada pela enxurrada, com um passo de quem não tem pressa, com a vasilha tampada ocupando uma mão, enquanto a outra ficava livre assim como seus pés que andavam incertos e trôpegos ao longo da caminhada.  Ficamos os três acompanhando de longe quietos, o destino incerto da mulher sem nome. Dessa vez sem agradecer por termos teto, apenas observando a sociedade e a desigualdade social imposta, cada um no seu quadrado, sem comentários, sem palavras e sem coragem pra mudar o mundo. A mulher sumiu na esquina, sem rosto, sem nome e sem fome.

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