O fantástico mundo de José

Quando jovem, José saía do interior da pequena cidade turística de Lençóis, na Bahia, para fugir da noiva fazendeira. Advindo de família humilde, ele vivia sob a mula mais ajeitada da região e camisas sociais que lhe davam um ar aristocrata. Apaixonada, a mulher dona de terras e de família rica vivia um drama A La Romeu e Julieta, mas nesse caso Romeu não era tão entregue à paixão assim.

Acusado de querer dar o golpe do baú Romeu, ou melhor, José fugiu para a única cidade que sabia o nome: São Paulo. De trem ficou sabendo de uma melhor qualidade de vida em Campo Grande. Um dia sonhando ouviu uma voz que dizia “Cuiabá”. Não sabia ler, nem escrever e suas únicas atribuições eram o corpo magro, mas forte, e a pele escura que resistia ao sol do garimpo.

Perguntou se havia alguma cidade com esse nome e responderam que era a capital do Estado. Meados de 1940, José subiu no mapa e chegou a cidade, mas devido a abundância de garimpos mais acima, decidiu prosseguir viagem e parou na cidade de Diamantino. Hóspede de uma pensão foi fisgado pelo estômago e pela personalidade forte de Martinha, dona do estabelecimento, com quem se casou no início dos anos 50.

A pensão foi um dos esconderijos para José que estava sendo perseguidos pelos ex - cunhados. O queriam de volta em Lençóis, para o casamento, para a fazendeira, que terminou seus dias sem José e sem encontrar ninguém como ele. Sem amor e sem ninguém morreu anos antes dele visitar Lençóis, no início dos anos 90.

O fim da fazendeira foi narrado por seu irmão caçula, Antonio, o único que sabia do interessante caso de amor. Sem a fazendeira e sem Martinha, que faleceu em 1989, retornou de sua viagem com a filha, fruto do amor verdadeiro com a dona da pensão, o genro e os netos.

Enquanto sua filha trabalhava, o baiano passava o tempo cuidando dos netos e acompanhando a construção da casa no terreno que comprara com o dinheiro do garimpo, na cidade que havia sonhado em meados de 40. Cuiabá. Havia se mudado em 1974, quando as ruas não tinham asfalto, as casas eram mais baixas que o nível das ruas e que o terreno ficava apenas perto da Escola Técnica Federal, onde a filha estudava. Não imaginava que ali seria o centro da cidade, rodeada por prédios e movimentada de carros, anos mais tarde.

José já havia abandonado o garimpo e na cidade aprendeu a ser barbeiro. Na velha cadeira vermelha, guardada no quartinho, sentaram muitos dos moradores grisalhos que vivem no bairro hoje. E após a aposentadoria era sentado nela, que contava as histórias desde a época da Bahia, para a neta e para o cachorro, que tinha o mesmo nome de seu cumpadre, Neguinho.

A neta resolveu escrever esse texto em sua homenagem, já que ontem José completaria 105 anos. O cachorro desapareceu de vez após procurá-lo nas ruas próximas de casa, durante quatro meses após sua morte. O cumpadre foi-se antes dele. E um outro amigo que sempre sentia saudades, mas não o via há 40 anos, o visitou. No velório. Seu Manoel Evaristo que sempre estava presente em suas histórias e que provou que a amizade resiste sim ao tempo.

Mesmo após sete anos sem a presença dele, o baiano ainda é um motivo de orgulho. Conheci meu avô sistemático e sisudo, mas essa personalidade mudou após ele se tornar cristão. Até hoje é o meu exemplo mais vivo de que Jesus realmente torna uma pessoa sisuda, em alegre, uma vida cheia de marcas em um conto de superação.

Meu parceiro de conversas, minha companhia no jantar, quem conversava com o cachorro, quem me esperava chegar da escola com a cabeça em cima do muro avistando a ladeira. E por tamanha importância, o dia 07 de julho, se torna muito especial pra mim, porque nesse dia em 1909 nascia uma das pessoas que mais faria a diferença na minha vida, Sr. José Claudio Dourado, que deveria ter 1m65, mas pra mim era gigante.


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