Vida que segue


Há uns oito anos, uma amiga apresentou o primo bailarino, que já havia se apresentado no Festival de Dança de Joinville e como aspirantes na dança, ficamos fascinadas tentando extrair tudo o que podíamos, aprender técnicas, saltos, giros, plié e todos os outros nomes franceses. Com um olhar crítico, aquele jovem moreno, com cerca de 1,70m, cabelos pretos e curtos, extremamente simpático, extrovertido e falante, possuía um andar e uma postura impecável.

Até quando o encontrei perambulando pelas ruas com as roupas sujas e rasgadas, andava como se ainda estivesse nos palcos, apesar de ter afastado deles, por causa do consumo de drogas. E as drogas transformaram a sua vida e da sua família, que mudou os comentários sobre as apresentações e o talento, para pequenos agradecimentos diários, apenas por ele ainda estar vivo.

Chegou ao crack e essa dependência infeliz o fez se envolver em coisas erradas, se arrepender, voltar às drogas, arrepender, e assim aconteceu até o início desse ano, quando finalmente decidiu dar um rumo à sua vida. Voltou a estudar e levou a mãe junto, como incentivo a continuar. Comprou cadernos, mudou as roupas e até o jeito de falar e ver a vida. Agora estava tudo bem.

Eu estava no altar na Igreja quando o avistei se assentando na mesma direção que os meus olhos. Ainda se distraía com facilidade, mas estava ali e ao final do culto, o abracei tão forte, como que querendo arrancar aquele talento escondido e perdido em algum lugar dentro de si, e trazê-lo para fora, para que ele pudesse voltar a desenvolvê-lo. Foi a última vez que o vi...

No dia 03 de maio recebi a mensagem “Ele me ligou aqui... me dizendo que começou ontem a dar aula no Ballet Caroline. Sexta vai ter espetáculo na Arena Pantanal... bora?” Não poderia ir e, posteriormente, soube que essa apresentação não ocorreu. Foi preso dias antes, e dessa vez, não por culpa dele.

Assim como todas as pessoas injustiçadas, ficou arrasado, assim como a família, e prometeu não dar mais desgosto à ninguém. Esse fim tinha data, dia 22 de maio. Na ligação posterior à morte, ouvi do outro lado da linha “Nágera, acabou”. Todas as tentativas pra uma vida melhor, todos os puxões de orelha, todo o amor, nada mais era suficiente agora.

E ao mesmo tempo em que sentíamos incapazes de fazer algo, para trazê-lo de volta, sentíamos a consciência leve por termos feito tudo para resgatá-lo. Valeu a pena, por ter feito tudo ao nosso alcance, mas infelizmente não podemos agir pelas pessoas. Somente torcer para que decidam por caminhos bons.

Aos 27 anos, o bailarino extrovertido que conheci em 2007 encontrava-se muito mais distante de nós, afinal, ele era muito mais que aquele corpo gélido. Enquanto sua alma está vagando por algum lugar, outras muitas estão vagando entre nós, esperando o mesmo cuidado que tivemos com aqueles que já se foram.


Por fim, concluímos que tudo é passageiro e ficam apenas os aprendizados, sejam eles bons ou maus. Com dor ou sem, a vida segue...

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